O poder das redes na internet

O poder das redes na internet
Os dissidentes “techies” que mostraram aos egípcios como se organizar

04/02/2011  (Carlos Alberto Teixeira)

Acabo de falar por telefone com Ahmed Maher, um dos dissidentes “techies” que mostraram aos egípcios como se organizar nos protestos em andamento no Egito. Ele me atendeu no celular no meio da gritaria dos protestos na Praça Tahrir, no Cairo.
— Temos mais de 2 milhões de pessoas aqui na praça, mais 700 mil protestando em Alexandria, e mais centenas e dezenas de milhares em todas as maiores cidades do Egito. O movimento não para de crescer e esperamos derrubar Mubarak em pouco tempo — disse entusiasmado.
Para explicar quem é Maher, traduzo aqui um ótimo artigo de David Wolman, no site “The Atlantic”, que relata como o grupo April 6 Youth (Juventude 6 de Abril) foi instrumental no movimento pró-democracia no Egito, ao usar tecnologias digitais para fazer crescer a empolgação que levou à revolta generalizada que está em andamento.
Três anos atrás, em uma praia com as areias cheias de lixo, em Alexandria, Wolman se juntou a um grupo de jovens dissidentes egípcios para um pequeno ato de desobediência civil. A ideia era por no ar uma pipa pintada com as cores do país e distribuir panfletos pró-democracia. Eles também consideraram a possibilidade de entoar algumas canções patrióticas.
A reunião foi quase instantaneamente desfeita por pelo menos uma dúzia de oficiais de segurança, a maioria deles à paisana e muitos usando bigodes. Todos estavam fora da praia em questão de minutos.

Aqueles mesmos jovens homens e mulheres estão agora no epicentro de eventos que puseram o regime de Mubarak de joelhos, e podem servir como catalisadores de uma onda de descontentamento civil e exigências por responsabilização política ao longo de todo o Oriente Médio. É o décimo-primeiro dia agora, mas muito em breve, as pessoas estarão falando sobre os 16 dias que estremeceram o mundo. E quando elas o fizerem, vão querer mais detalhes sobre quem fez tudo acontecer, e como.

Um dos que agiram nos bastidores é o quieto engenheiro civil com quem falei há pouco, Ahmed Maher. Em 2008, Maher, juntamente com uma mulher de nome Israa Abdel-Fattah, criou um grupo no Facebook (banner do grupo na foto acima, à esquerda) para promover um protesto previsto para 6 de abril daquele ano. Em poucas semanas, o grupo já tinha 70 mil membros.

O grupo se autodenominou April 6 Youth. No violento regime de Mubarak, uma reunião com mais de cinco pessoas poderia levá-las à cadeia, caso não tivessem uma licença oficial. Assim, os jovens ativistas fizeram suas reuniões online, onde compartilhavam seu idealismo. Eles queriam eleições justas, liberdade de expressão, trabalho e a possibilidade de um futuro mais próspero.

Durante os protestos de 6 de abril de 2008, Abdel-Fattah foi detida e presa por duas semanas. Com base na lei de emergência do país, vigente desde 1981, autoridades egípcias têm o poder de prender cidadãos sem nenhuma acusação formal, sob um “decreto de detenção”. No entanto, jornais locais e a mídia estrangeira divulgaram o fato — referiram-se à jovem como “a garota Facebook” — e a prisão acabou rapidamente inspirando novos recrutas a se juntarem ao grupo no site. Alguns meses depois, Maher também foi preso — e torturado. A resposta popular foi parecida com a anterior: um perfil mais famoso para os tecnodissidentes e uma frustração ainda maior de seus companheiros, suas redes, e as redes dessas redes.

Wael Nawara, cofundador do partido El-Ghad, seguiu de perto o April 6 Youth e o papel das tecnologias digitais no fortalecimento do movimento que levou à colossal revolta em andamento. “Foi um longo e doloroso caminho”, escreveu Nawara em um email enviado do Cairo na quarta-feira (02/02), onde muitas pessoas estão online novamente. “Não tenha dúvida de que a tecnologia — e a experiência na Tunísia — ajudaram a deflagrar a revolução”.

Em 2009 e 2010, enquanto os ocidentais debatiam se a internet atrapalhava ou ajudava a discussão política (ela cumpre os dois papéis, é claro), e até especulavam que as mídias sociais tinham apenas um papel superficial quando a questão era mudança social profunda (algo claramente falso), Maher e o grupo April 6 Youth estavam se escondendo em vários grupos no Facebook para não serem descobertos, pulando entre apelidos no Twitter, organizando protestos em pequena escala em países vizinhos e divulgando sua mensagem descomplicada: “as coisas poderiam ser diferentes”. E então... 25 de janeiro de 2011. E Mubarak desligou a internet.

Wolman também conversou com Maher algumas vezes por telefone esta semana. Ele relatou que alguns de seus amigos estavam presos, mas ainda estavam tentando planejar eu próximo protesto pacífico. Tentando imaginar Maher no meio daquele caos na Praça Tahrir, Wolman o visualizou com sua bolsa a tiracolo e óculos escuros. Talvez fossem os mesmos acessórios que usava naquele dia na praia em Alexandria, num tempo em que Wolman acreditava que estava testemunhando os atos de alguns bravos, mas, no final das contas, quixotescos jovens. Imagine! Eles acreditavam que estavam estabelecendo as fundações para uma revolução.

E estavam mesmo.

Publicado no globo.com

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